Tratado da Carta da Energia (os travões da luta climática).

"A única solução compatível com a luta contra as alterações climáticas é sair."~João Gama (membro da TROCA)

.

O Tratado da Carta da Energia (TCE) foi assinado a 17 de dezembro de 1994. Este tratado permite às empresas que se sintam prejudicadas por medidas energéticas ou ambientais  reclamar milhões de euros em compensações aos Estados. O tratado é unilateral e, por isso, só as empresas podem processar os Estados. Para além disso, todo o processo jurídico é super burocrático e está longe da esfera pública, ao contrário do que seria desejável.

Este tratado tem imposto vários obstáculos ao progresso na luta contra as alterações climáticas. Na primavera de 2017, o então ministro do ambiente francês, François Hulot, apresentou uma nova lei para proibir a extração de combustíveis fósseis em França. Contudo, depois  do ministro ser avisado de que a nova lei violava o que estava estabelecido no TCE, a versão final da mesma passou a permitir a continuação da produção de petróleo e gás até 2040. Este é um de muitos exemplos dos obstáculos que o TCE coloca à luta climática. Apesar de neste caso o Estado francês não ter chegado a ser processado, são vários os casos em que tal acontece. A Espanha, por exemplo, já foi condenada a pagar 988 milhões de euros em compensações. Para além disso, um inquérito de 2019 conclui que, nestes processos, os Estados gastam em média 5,2 milhões de dólares só na defesa

Há já algum tempo que os Estados europeus compreenderam que, face à urgência da crise climática, é necessário reformar o TCE. Contudo, o processo está a revelar-se lento demais, o que levou muitas ONG’s a defenderem a saída do tratado como a única solução compatível com a luta climática. Neste sentido, a TROCA e a Zero criaram uma petição com o título “Travar o tratado que bloqueia o Acordo de Paris” (https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT106111), apelando “(a)o Governo de Portugal (que) se una publicamente ao Governo de França no pedido que este fez à Comissão Europeia para que trabalhe no sentido de uma saída coordenada dos Estados-Membros da UE do Tratado da Carta da Energia e que deixe de ser cúmplice das empresas de carvão, petróleo e gás que bloqueiam a transição para um sistema de energia limpa.”

Toda esta situação demonstra o quão dependentes dos “grandes económicos” estão os processos de decisão política e o quão nociva essa influência é. Num ambiente democrático que se quer de representação do interesse da sociedade em geral (público) é muitas vezes, infelizmente, o interesse dos grandes privados que prevalece, sendo que muitas vezes este é contrário ao primeiro. As alterações climáticas são um problema urgente e a sua solução toca a todos, está em causa a nossa vivência e o mundo como o conhecemos. Obstáculos colocados por interesses privados, como é o caso do TCE, são entraves que não podemos permitir.

Este caso também exige uma reflexão sobre o excesso burocrático da arena política dos dias de hoje. Sempre fui um defensor da complexidade da política e continuo a sê-lo. A sociedade é cada vez mais complexa e, por isso, é natural que a política, enquanto espaço onde se discutem as regras estruturais da convivência comum, acompanhe esta evolução. Contudo, e sobretudo a nível europeu (UE), o carácter burocrático dos processos tem evoluído ao ponto de começar a afetar os cidadãos, ao impedir a rapidez de respostas urgentes e, por isso, vai contra toda a razão de ser da complexidade de que falava anteriormente. Por outras palavras, a complexidade e a burocracia têm todo o sentido na política quando têm o propósito de refletir a complexidade da sociedade, mas ficam desprovidas de nexo quão se tornam nocivas e começam a representar obstáculos sérios à evolução dessa mesma sociedade. Para além disso, atualmente, a excessiva burocratização de algumas instituições políticas deixa a política desprovida de uma das suas características mais importantes: ser pública. A complexidade torna-se excessiva quando afasta por completo os cidadãos da política e deixa as decisões e os processos no campo dos tecnocratas. Em tempos de tanta urgência como aqueles em que vivemos, a política devia representar os cidadãos e as suas necessidades e a luta climática é uma necessidade de todos, uma questão de sobrevivência.

O sol está se pondo para a indústria do petróleo - Greenpeace Brasil 

Intervenção da Greenpeace numa das petrolíferas da BP (Escócia)

A lentidão de processos, como a reforma do TCE, não tem lugar numa UE que defende o combate às alterações climáticas. É boa altura para relembrar um dos principais objetivos da atual presidência portuguesa do Conselho da UE: “Promover uma recuperação europeia alavancada pelas transições climática e digital.” Nunca poderemos falar numa transição climática num mundo excessivamente burocrático e grandemente influenciado por interesses dos grandes privados. Para procedermos a esta transição tão necessária precisamos não só de reformar o TCE, mas também de reformar os nossos processos políticos, no sentido de os ajustar às questões urgentes que afetam a humanidade, isto claro sem nunca deixar de refletir sobre a complexidade das mesmas.

~Zé 



Fontes:

https://www.publico.pt/2021/02/07/sociedade/noticia/portugal-ue-abandonar-tratado-incompativel-acordo-paris-defendem-associacoes-1949688

https://www.publico.pt/2021/02/28/sociedade/investigacao/tratado-assinado-lisboa-incentiva-aquecimento-global-1951862

https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT106111

https://www.2021portugal.eu/pt/programa/prioridades/

Comentários