Estado de Calamidade (na política).

"Pessoas de bem não são por ditadura nenhuma, pessoas de bem são por democracia."~Ana Gomes

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Neste artigo, vou partir dos resultados eleitorais de ontem (24 de janeiro de 2021) para fazer uma crítica geral da realidade política portuguesa atual, dirigindo pequenas notas aos mais variados intervenientes.

A primeira nota dirige-se a Rui Rio, a Francisco Rodrigues dos Santos e à sua cegueira conjunta que é, na minha opinião, parte responsável pela crise política do nosso país. A Rui Rio por ter tentado justificar o sucedido nos Açores com base nos resultados eleitorais, sem qualquer sucesso. Ao Chicão por se recusar a assumir a queda do seu partido e por reclamar uma “vitória da direita”. Para deixar aqui claro, na política as vitórias não se fazem apenas de números, mas acima de tudo de conteúdo. Face à desgraça que foram os resultados de ontem no conteúdo, eu diria que a grande derrotada desta noite não foi só Marisa Matias, ao contrário do que se referia em todos os canais a cada cinco minutos, mas sim a direita. A direita democrática, habitualmente representada pelo PSD e pelo CDS-PP, saiu derrotada e está a ser sucessivamente esmagada na nova “configuração à direita”. E quando a direita democrática sai prejudicada, em prol do crescimento dos extremismos, a democracia também fica danificada.

Gostava também de dirigir uma nota ao PS. A recusa dos socialistas em apoiar um candidato singular para estas eleições é grave, ainda para mais quando vários dos seus membros, incluindo dirigentes, assumem votar num candidato que provém da suposta oposição do partido. Desta forma, os dirigentes socialistas só contribuíram para a narrativa do infame “bloco central” (ligação entre PS e PSD), que anteriormente tinham vindo a recusar. Esta narrativa só deu aso à polarização política e ao crescimento dos extremos, que surgem para representar uma sociedade cansada do ciclo político bipartidário português, em que é cada vez mais difícil distinguir os dois partidos que alternam no poder.

A terceira nota dirige-se à equipa da RTP1, canal em que acompanhei os resultados eleitorais. O programa deste canal foi marcado por um excesso de leitura direta dos resultados, em detrimento de qualquer tipo de análise por parte de especialistas. O retratar da política como um jogo de pontos só contribui para o crescimento daqueles que desvalorizam o carácter institucional e complexo da mesma. Este é um fenómeno que há muito me incomoda e que vejo como uma tentativa mal pensada e pouco eficaz de atrair cidadãos à política. Os cidadãos precisam de voltar a interessar-se sim, mas por uma política, que embora seja complexa, também lhes seja próxima. Não precisamos destas “narrativas estatísticas” que falam de política como quem fala de futebol e que apenas abrem portas para os que só tem olhos para o poder e para os números. A política é muito mais que poder e números, é o espaço onde se discutem as regras estruturais da convivência comum e, por isso mesmo, precisa de ser próxima de todos e complexa, para que a estruturação da sociedade possa ser feita de forma democrática, representando a complexidade do conjunto de indivíduos que a constituem.

Por fim, face ao machismo que marcou este ato eleitoral, quero deixar uma nota de repúdio a todos os que fizeram comentários de ódio direcionados às duas candidatas, Ana Gomes e Marisa Matias, tendo apenas por base a sua aparência. Não falo só do infame caso dos lábios vermelhos, mas de outras situações: como o constante “a Ana Gomes parece o Herman José vestido de mulher”, o habitual “a Marisa engordou desde as Europeias” ou o retrato frequente das duas candidatas como irritadiças e mesquinhas. Tratamentos e retratos muito diferentes daqueles que os seus adversários do sexo masculino receberam.

Quanto ao you-know-who da política portuguesa, não há nota de repúdio em que coubesse todo o desprezo que lhe tenho.

~Zé

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